28/02/13

Depoimentos-1
Quando o trabalhador é que paga

     Por José Brilha, Professor da Escola de Ciências

Mário Silva está radiante! Depois de muitos meses reduzidos ao magro subsídio de desemprego, Mário vai finalmente poder oferecer à sua família um pouco mais de conforto: conseguiu um emprego na fábrica de sapatos que fica bem perto de sua casa.
O anúncio de emprego pedia uma pessoa para conduzir o camião da empresa e distribuir as encomendas por todo o país. Assim, no seu primeiro dia de trabalho, Mário Silva estava pronto para se sentar ao volante do camião. Porém, este dia reservou-lhe algumas surpresas.
O seu novo encarregado comunicou-lhe que, apesar de ter sido contratado para conduzir o camião, Mário Silva também teria de trabalhar na linha de montagem de produção de sapatos. Mário, claro que aceitou mais esta tarefa, uma vez que estava desejoso para voltar a trabalhar.
No entanto, Mário nunca imaginou que fosse possível ouvir o que o seu encarregado lhe disse a seguir. Para trabalhar na linha de montagem, Mário teria primeiro de adquirir as máquinas para fazer os sapatos!! O dono da empresa não tinha qualquer hipótese de comprar os equipamentos para a sua fábrica e, portanto, se os trabalhadores quisessem lá trabalhar, teriam de ser eles a encontrar recursos financeiros para colocar as máquinas na fábrica. Mário ficou também a saber que o seu salário seria indexado ao número de sapatos que ele produziria com a máquina que teria de comprar, apesar de ter sido contratado para conduzir o camião, tarefa que ele também teria de assegurar.
A situação vivida por Mário é fictícia, não há (ainda!) nenhuma fábrica que contrate funcionários para desempenhar um dado trabalho e que, simultaneamente, obrigue esses mesmos funcionários a colocar dinheiro na empresa para que esta possa ter os equipamentos necessários à produção!
Mas não é isto que se passa actualmente nas nossas universidades? A carreira docente obriga, entre outras tarefas, a leccionar e a investigar. Aliás, a contratação de docentes apenas pode ser justificada pela necessidade de assegurar a actividade docente e não pela importância ou capacidade em desenvolver investigação científica. Mas, por incrível que possa parecer, tal como no caso do Mário Silva, as universidades não disponibilizam nenhum apoio para que a investigação possa ser desenvolvida, obrigando os docentes a terem de encontrar os recursos financeiros indispensáveis para investigar, comprar os equipamentos, pagar análises, contratar bolseiros e funcionários administrativos, etc. A situação é ainda mais ridícula quando, na maior parte dos casos, a avaliação das universidades e das carreiras académicas dos docentes se baseiam, em larga medida, nos resultados obtidos e publicados pela investigação paga com os meios que o próprio docente conseguiu obter! Infelizmente, ao contrário do que se passou com o Mário Silva, a situação nas nossas universidades não é fictícia...

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